Francisca, toda cheia de vida aos seus cinquenta e cinco anos, está radiante! Hoje completa mais um ano de casamento. José, seu esposo, vaidoso como sempre, já se arrumava com muito esmero. Em algumas horas estariam no restaurante preferido do casal comemorando, junto com alguns amigos e familiares, mais um dos quarenta e dois anos de um matrimônio pleno de muitas alegrias.
— Fran, já terminou seu banho? Pergunta José dentro do quarto enquanto se arruma. Ande logo, se não nos atrasaremos.
Fran responde “Quase!” e na pressa de tirar o shampoo dos cabelos não nota que o chão ficara cheio de espuma. Fecha o registro e se vira rapidamente. Com o movimento, seu pé escorrega no sabão causando uma queda na qual ela bate a cabeça no lavatório e desmaia.
José ouve o barulho, entra no banheiro e vê sua esposa desacordada no chão, com a cabeça ensanguentada. Desesperado, pede socorro pelo telefone.
- Alo!!! - Diz ele em tom aflito.A moça do outro lado da linha diz:
- Calma senhor, o que houve?
- Minha esposa caiu no banheiro e está desmaiada! Tem um ferimento grande na cabeça! Está sangrando muito! Me ajuda, por favor!
Prontamente, a moça manda uma ambulância para o local e Francisca é levada para o hospital mais próximo
Passaram quatro longos dias e Fran continua desacordada. No fim do quarto dia, finalmente, ela acorda no meio da noite. Meio desnorteada, vê uma moça de uniforme e pergunta:
- Onde estou?
A enfermeira, ao vê-la acordada, se levanta da cadeira onde estava e diz:
- Dona Francisca! espere um momento, por favor. Eu já volto! – E ela sai do quarto apressada.
Enquanto vê a saída da enfermeira, ela pensa “Quem é essa Francisca? Com quem essa moça estava falando?”. Mas logo esse pensamento de dissipa de sua mente.
- Doutor! - A enfermeira entra no consultório chamando freneticamente.
- O que houve, Eunice?
- É a paciente do quarto 7. Ela acordou.
Ele, prontamente, pega uma prancheta e vai em direção ao quarto.
Doutor Alexandre era o neurologista que estava acompanhando o caso. No quarto, eles se deparam com a paciente sentada na cama retirando os acessos que levavam medicamentos para ela.
- Pare! - Diz o doutor Alexandre ao se aproximar dela - Senhora Francisca, não faça isso por favor.
- Mas, para que esses tubos ligados ao meu braço se não me sinto doente? - pergunta ela, olhando para eles com um olhar aflito.
O médico senta-se na cadeira ao seu lado e, cuidadosamente, conta todo o ocorrido no acidente.
Enquanto o médico explicava, a recepcionista do hospital liga para a residência do casal e informa José de que sua esposa havia despertado há alguns minutos. Ele agradece, desliga o telefone, se veste rapidamente e parte em direção ao hospital.
Finalmente Francisca se acalma um pouco com o relato do médico e se deita para repousar, porque ainda se sente cansada.
O médico deixa o quarto pensando no porquê de ela não lembrar do acidente. “Deve ser uma pequena confusão mental, afinal, quatro dias desacordada!”. Conclui que isso poderia acarretar tal feito.
Antes de ir ver os outros pacientes, deixa a enfermeira Eunice avisada:
- Fique de olho nela até a troca de seu plantão. Ela esta confusa e pode tentar fugir.
Deixa avisado também o vigia que estava sentado no fim do corredor.
A algumas quadras dali estava José se aproximando do hospital, feliz por sua amada esposa ter despertado do seu sono que parecia sem fim.
Ao chegar no hospital, ele correu até o outro lado da rua onde existe uma floricultura e compra um lindo e grande girassol e uma rosa branca, as flores preferidas de sua amada. Finalmente ele entra, se apresenta para a recepcionista e sobe até o andar onde está sua esposa. Com todo cuidado, ele olha pelo vão da porta e a vê sem as medicações e dormindo. Então, carinhosamente ajeita as flores em um vaso e sai do quarto em busca do médico para ter informações. Mas não teve êxito pois acabara de ser feita a troca do plantão, então ele retorna ao quarto, se estica no sofá ao lado da cama e adormece.
No meio da madrugada Francisca acorda para ir ao banheiro e vê o homem deitado no sofá ao lado de sua cama, ela, em sua mente, pergunta-se “Quem é?”. E, depois de ir ao banheiro, acaba adormecendo novamente.
No dia seguinte, José é acordado pela enfermeira dizendo:
- Senhor José, sua esposa foi levada para fazer uma tomografia e o doutor Alexandre deseja falar com o senhor.
José caminha pelo corredor até a sala do médico, como foi orientado pela enfermeira.
- Senhor José! Entre, por favor - diz o doutor Alexandre.
Pouco a pouco o médico vai explicando tudo o que pode dizer sobre o estado em que se encontra sua esposa, fala da perda de memória, que poderia ser temporária ou não, mas que só os exames poderiam lhe dar as respostas corretas. José ouve atentamente e volta apreensivo para o quarto.
Francisca, ou Fran como ele a chamava carinhosamente, já estava no quarto. Ele abre um enorme sorriso e diz:
- Que bom que você acordou, meu amor! Fran, eu estava tão preocupado com você!
Ela, num tom intrigado, pergunta:
- Quem é você e o que faz aqui no meu quarto desde ontem à noite?
José se lembra das palavras do médico e com calma diz:
- Fran, sou eu, José, seu marido.
- Eu não sou Fran e não o conheço.
- O doutor não explicou que você bateu a cabeça?
- Sim, e estou tentando me lembrar, mas não consigo.
- Não se esforce muito - diz ele - pode lhe fazer mal.
Francisca está muito abalada, por isso começa um choro de desespero. Seu marido estava ali ao seu lado, mas ela não o reconhecia, nem mesmo sabia se o que aquele homem dizia era verdade. Como poderia saber?
O dia vai chegando ao fim, Francisca chama a enfermeira para lhe trazer uma roupa limpa porque quer tomar um banho para dormir. Pede ajuda para ir até o chuveiro, a enfermeira, prontamente, vai ajudá-la. Quando entram no banheiro, Francisca olha para o espelho na parede e solta um grito de desespero. Depois cai em prantos.
A enfermeira, sem saber o que foi, pergunta:
- Pode me dizer o que está acontecendo, Francisca?
E ela responde:
- Não me reconheço, não me reconheço...
A enfermeira volta com ela para a cama e sai rapidamente para chamar o médico. Ele ouve o relato e vai até o quarto com sua prancheta nas mãos.
- Senhora Francisca, pode me dizer o que houve? – pergunta o médico à sua paciente.
- Não me reconheci no reflexo que vi no espelho.
O doutor ouve tudo atentamente, pensando que pode ser fruto da cabeça dela, diz:
- A Senhora ainda está muito abalada com toda esta situação. Tente se acalmar que vou pedir para enfermeira trazer um espelho para você.
A enfermeira faz o que o médico pediu e traz o pequeno espelho. O médico pergunta:
- Está mais calma e pronta agora? Eu estou aqui para ajudá-la, lembre-se disso.
Pegando o espelho com as mãos trêmulas, ela o posiciona em frente ao seu rosto e diz:
- Não me reconheço, não me reconheço!
Doutor Alexandre, vendo que ela está ficando irritada, diz:
- Calma. O que você vê?
- Outra pessoa. Não sou eu! O que está acontecendo comigo, doutor? Não me lembro do meu nome, do meu rosto, do homem que está aí e que se diz meu marido. Não me lembro do acidente. De nada!!!
José, numa tentativa de acalmá-la, toca seu ombro. Ela grita enfurecida:
- Não me toque!!!
O médico não vê outra alternativa e pede para a enfermeira aplicar um sedativo para que ela se acalme e descanse. Diz que seria feita, no outro dia, uma nova bateria de exames mais completos a fim de descobrir o que há com a sua paciente.
Os exames foram realizados logo pela manhã, no fim da tarde saíram os resultados, a enfermeira chama:
- Doutor Alexandre, os resultados chegaram!
- Obrigado, Leticia. - Era outra a enfermeira que estava de plantão naquele dia.
Checando todos os exames cuidadosamente, principalmente a tomografia, ele se surpreende com um detalhe que não tinha aparecido no outro exame e que poderia ser crucial para desvendar a perda profunda de memória de Francisca. Era um coágulo em sua cabeça, que poderia estar impedindo a circulação correta do sangue. Ele pega os resultados e vai para o quarto de Francisca, um pouco mais animado porque pode ter achado a causa de sua falta de memória.
- Boa tarde, Francisca. Como se sente? - Pergunta ele.
Ela, com mal humor, diz:
- Não me chame assim. Não sou essa Francisca aí não!
- Tudo bem, não se altere. Chegaram os resultados e estou com eles aqui na mão. A Senhora tem um coágulo na cabeça que está interferindo na circulação do seu sangue, o que pode estar ocasionando esta perda severa de memória. É por este motivo que não se reconhece e não lembra do seu passado, de si mesmo e de seu esposo. Mas há uma luz no fim do túnel. Se fizermos uma cirurgia, que é um pouco delicada e arriscada, pode ser que, tirando este coágulo, o sangue volte a fluir normalmente e traga suas memorias de volta. Como disse, é um processo arriscado e vou lhe dar um tempo para pensar sobre o caso. Dentro de alguns dias volto para ver a sua decisão e tomar as medidas cabíveis. E a senhora poderá voltar à sua vida normal.
José, ouvindo tudo aquilo e receoso com a cirurgia, tenta a última possibilidade. Vai até sua casa, pega o álbum de casamento e o leva para o hospital na esperança de que Francisca, vendo as fotos de outros momentos, recupere sua memória gradativamente. De volta ao hospital, bate na porta do quarto e pergunta se pode entrar. Ela assente com a cabeça dizendo que sim, ele puxa a cadeira, senta-se ao seu lado e explica que trouxe umas fotos para ver se a memória dela começa a voltar por si só, sem cirurgia. E vai folheando as páginas com as mais variadas fotos de festas de fim de ano, de aniversários, de viagens, do seu casamento. Mas tudo foi em vão, ela não se lembra de absolutamente nada, de nenhum momento. E numa fração de segundo ele se lembra de um detalhe muito importante. Ele diz assim:
- Quer uma prova de que sou seu esposo e estou falando toda a verdade desde o dia que você acordou?
- Então me prove.
- Olhe na sua mão esquerda, tem uma aliança e nela está gravado assim "AMOR ETERNO, JOSÉ".
Ela olhou para o dedo e, com medo, foi tirando a aliança. E lá estava, exatamente o que ele havia dito, palavra por palavra. Neste momento ela cai em prantos e pede perdão para ele pela maneira rude com que o vem tratando ao longo dos dias que passaram. E ela começa a pensar com mais entusiasmo na cirurgia que lhe foi proposta, e assim seguiram os dias.
Na segunda seguinte, logo cedo, o doutor Alexandre entra em seu quarto, ela estava ansiosa por sua visita. Antes mesmo de o médico pronunciar alguma palavra, ela diz:
- Pode preparar tudo! Eu aceito a cirurgia, quero minha vida de volta.
- Tem certeza?
- Absoluta - responde ela com firmeza na voz.
- Então tudo bem. Vou me retirar e mandar preparar tudo.
José estava em casa na hora que ela tomou a decisão e recebeu um telefonema do hospital avisando da cirurgia, rapidamente se dirige para lá. Enquanto a sala de cirurgia estava sendo preparada, Francisca foi conduzida a uma pequena sala onde lhe explicaram tudo o que seria feito. José consegue chegar até onde ela está bem a tempo de também ouvir atentamente as orientações. Depois de tudo esclarecido, Fran se despede de José dizendo:
- Vai dar tudo certo, vou recuperar minha memória.
Ele não consegue segurar, uma lagrima rasga seu rosto e ela, vendo isso, diz:
- Não fique assim, tudo já deu certo. - E foi indo em direção do centro cirúrgico.
“Esse corredor é tão longo!” - pensava ela - “Mas não posso desistir agora, vou até o fim”.
A enfermeira chega na sala e diz:
- Estamos prontos, você pode ir se trocar. - E aponta um biombo no canto esquerdo da sala.
Ela se troca e se deita na maca que é levada para o centro cirúrgico. Lá está o doutor Alexandre à sua espera, com uma junta médica para auxiliar. Ele diz:
- Tente ficar calma. Vou encostar uma máscara em seu rosto e peço que conte de dez até um de trás para frente.
Ela tentou fazer o que ele pediu, mas não chegou nem na metade da contagem e apagou. O doutor diz:
- Iniciemos o procedimento.
Passaram quatro horas e nada de notícias da cirurgia, José já estava aflito. Vai até a antessala e tenta obter alguma informação, mas a enfermeira que vai até o centro cirúrgico volta e diz:
- Mais uma hora e já terminam.
Uma hora depois, doutor Alexandre aparece na porta, chama José e explica que a cirurgia foi ótima, mas só poderá dizer que foi um sucesso quando Francisca acordar da sedação. Diz que ela foi conduzida à sala de recuperação e logo mais ele poderá vê-la.
- E me faça um favor: traga algo de sua casa que seja bem familiar para ela - pediu o doutor Alexandre.
No dia seguinte ele pegou o perfume preferido dela, colocou no bolso e saiu de casa em direção ao hospital, mas ia cheio de perguntas “Será que deu certo? Será que ela vai se lembrar de tudo? Se não se lembrar, o que vou fazer?”. Os questionamentos foram até a porta do quarto do hospital. Parado na porta, José vê sua amada sentada, tomando uma medicação, e quando ela olha ele pergunta:
- Posso entrar?
- Entre.
Ele entra, puxa a cadeira e senta-se ao lado dela. Pergunta uma série de coisas a e, na medida do possível, ela vai respondendo. Nisso o doutor Alexandre entra e pergunta:
- Senhora Francisca, como se sente hoje?
- Estou bem doutor. Meio zonza.
- Não se preocupe, é normal - e olha fixamente para José - Trouxe o que pedi?
- Sim, doutor.
E o doutor faz a temida pergunta: Apontando para José diz:
- Quem é ele?
Ela balbucia:
- É o José, meu ma.ma.marido.
Os dois não escondem a alegria, doutor Alexandre diz:
- Senhor José, mostre a ela o que trouxe.
Ele, com cuidado para que ela não veja, espirra um pouco do perfume em sua mão deixando a essência no ar.
- Conheço este perfume, ele e meu! - Afirma ela com tanta autoridade que José cai em prantos de alegria.
- Agora, Senhor José, vá com calma. Tudo que ela for perguntando, responda com o maior número de detalhes possível e se tiver fotos melhor ainda. Vou pedir uma nova bateria de exames e dependendo do resultado logo terá alta, Senhora.
E assim foi. Fizeram os exames e José foi muito criterioso em suas respostas. Depois de uma semana os resultados chegaram às mãos do doutor Alexandre que se apressou em comunicar o fato a Francisca e José.
- Os resultados chegaram e são muito bons Senhora Francisca! Já se lembrou de algumas coisas?
- Algumas sim, mas não muitas. José está me ajudando muito.
- Então tenho boas notícias. Isso vai melhorar pois a senhora está de alta. Senhor José, pode ir à recepção assinar os papeis enquanto examino sua esposa rapidamente?
Ele nem esperou o médico terminar de falar, desceu as escadas igual uma bala para a recepção, assinou tudo e voltou ao quarto. O doutor não estava mais lá e ela já estava quase pronta.
Finalmente, eles, juntos, chegam à porta de saída do hospital. José chama um taxi e embarcam no veículo. Logo chegam a sua residência, lá tudo está exatamente do jeito que ela deixou no dia do terrível acidente. As plantas, os enfeites do jardim, tudo no seu devido lugar, e eles entram na casa, ela se senta em uma poltrona bem no centro da sala e olha tudo ao seu redor, cuidadosamente e bem devagar. Vão chegando as mais variadas lembranças.
Já se passaram três anos da data do acidente e muitas lembranças foram recuperadas por ela com a ajuda de José, que sempre tinha uma foto em mãos para ajudá-la a se lembrar com mais exatidão
Um dia ela acorda cedinho e chama José:
- Acorde! hoje é o dia de minha consulta com o doutor Alexandre.
Ele se levanta, tomam um café juntos como todas as manhãs e saem em direção do hospital. Chegando lá o doutor Alexandre os esperava em seu consultório. Francisca vai relatando tudo o que ocorreu nos últimos três anos, mas Alexandre interveio:
- Vejo que a Senhora está muito bem mesmo. O Senhor José a está ajudando? - Perguntou ele.
Ela prontamente diz:
- Sim, doutor, muito! Ele está sendo o meu braço direito nesta batalha.
- Continuem assim que logo mais tudo estará no seu devido lugar.
E os dois se retiram do consultório muito gratos àquele homem que salvou sua vida e memória.
Um ano depois da última consulta todas as suas memórias estavam restauradas, e com isso o amor que um sente pelo outro, que já era grande, se tornou muito maior e se mantem assim.
Eu me chamo Francisca e esta é a minha história de superação. Por maior que seja a sua provação saiba que se o seu amor for verdadeiro ele transpõe qualquer barreira.
Autores: Marcio e Karine (Segundo Ano, EJA)