sábado, 16 de fevereiro de 2019

TROVADORISMO II – CANTIGAS SATÍRICAS

CANTIGA DE ESCÁRNIO: As características das cantigas de escárnio são: a pessoa satirizada não é nomeada, há ambiguidade, que é um aspecto linguístico importantíssimo na identificação de textos humorísticos. No caso do exemplo abaixo, entende-se que esse corvo é na verdade o amante da dona. Assim, a exclamação do trovador de que nunca viu uma mulher ter tanta sorte é ironia.
Obs: Quá! Acá!", além de ser a imitação do som produzido pelo corvo, em português arcaico, é "Aqui! Vem cá!”.

Cantiga de Escárnio
Joan Airas de Santiago

Ua dona, non digu’eu qual,
non agoirou ogano mal
polas oitavas de Natal:
ia por sa missa oir
e ouv’un corvo carnaçal,
e non quis da casa sair.

A dona, mui de coraçon,
oíra as missa enton
e foi por oir o sarmon,
e vedes que lho foi partir
ouve sig’um corvo acaron
e non quis da casa sair.

A dona disse: - Que será?
E i o clérigu’está já
revestid’e maldizer-m’á
se me na igreja non vir.
E diss’o corvo: - Quá, acá,
e non quis da casa sair.

Nunca taes agoiros vi,
des aquel dia que nasci,
com’aquest’ano ouv’aqui;
e ela quis provar de s’ir
e ouv’um corvo sobre si,
e non quis da casa sair.

(tradução livre)
Uma dona, não digo quem,
Não teve azar
Durante os festejos de Natal.
Ia sair para ouvir a missa
E houve um corvo carnívoro
E não quis da casa sair.

A dona queria mesmo
Ouvir sua missa,
E foi para ouvir o sermão
E olhe o que lhe foi acontecer:
Houve um corvo bem junto dela
E não quis da casa sair.

A dona disse: que será?
E lá o padre já está;
Falará mal de mim e me amaldiçoará
Se não me vir na igreja;
E diz o corvo: "Quá! Acá!"
E não quis da casa sair.

Nunca vi tal sorte,
Desde o dia em que nasci,
Como houve aqui naquele ano:
E ela quis realmente sair
E houve um corvo sobre si
E não quis da casa sair.


CANTIGA DE MALDIZER: A principal característica é a sátira ser direta, que pode (ou não) citar o nome da vítima ou até empregar linguagem chula, vulgar. No exemplo, um trovador havia feito uma composição satírica afirmando que, se enfeitasse um pouquinho o seu próprio ânus, ficaria muito mais bonito que determinada mulher. Pero d'Ambroa compôs a cantiga para zombar do seu colega:

Cantiga de maldizer
Pero d'Ambroa

Pero d'Armea, quando composestes
a vosso cuu, que tan ben parecesse
e lhi revol e concela posestes,
que donzela de parecer vencesse,
e sobrancelhas lhi fostes poer,
tod'est', amigo, soubestes perder
polos narizes que lhi non posestes.


(Tradução livre)
Pero d'Armea, quando você enfeitou
o seu cu, que tão bem ficou,
e nele maquiagem e perfume colocou,
deixando-o mais bonito que donzela,
e sobrancelhas pôs nele,
tudo isto, amigo, você pôs a perder
por causa dos narizes que não pôs nele.

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