quinta-feira, 14 de fevereiro de 2019

TROVADORISMO


O trovadorismo caracterizou-se por sua produção oral associada sempre à música. Assim, o que temos nessa época não são poemas, mas cantigas. Em outras palavras: a poesia não era recitada, e sim cantada. Essa tradição provençal acaba por se misturar à cultura da Península Ibérica, gerando assim o Trovadorismo Lusitano. Toda a produção trovadoresca não é exclusividade da Literatura Portuguesa, mas de uma literatura galaica, que tanto engloba Portugal quanto Espanha.

De acordo com o tratado poético encontrado no Cancioneiro da Biblioteca Nacional, as cantigas do Trovadorismo são divididas em: Cantiga de Amor, Cantiga de Amigo (cantigas líricas), Cantiga de Escárnio e Cantiga de Maldizer (cantigas satíricas).

CANTIGA DE AMIGO: A técnica de construção há paralelismo (versos que se repetem quase que integralmente, apenas com uma pequena variação no seu final) e de refrão (verso integralmente repetido). Isso facilita a memorização. Fora esse aspecto formal, quem fala é uma mulher (eu-lírico feminino), e o tema em geral é a falta de seu amado ("amigo"). Além disso, há o diálogo com os elementos da natureza, com a mãe ou com as amigas. Essa espécie de composição nasceu na Península Ibérica. Veja o exemplo abaixo:

CANTIGA DE AMIGO
Martim Codax

Ondas do mar de Vigo
se vistes meu amigo?
E ay Deus, se verrá cedo!

Ondas do mar levado
se vistes meu amado?
E ay Deus, se verrá cedo!

Se vistes meu amigo
o porque eu sospiro?
E ay Deus, se verrá cedo!

Se vistes meu amado
por que ey gran coydado? 
E ay Deus, se verrá cedo!

(Tradução livre)
Ondas do mar de Vigo,
vocês viram meu amigo?
E ai Deus, digam se ele voltará logo!

Ondas do mar levado,
vocês viram meu amado?
E ai Deus, digam se ele voltará logo!

Vocês viram meu amigo,
aquele por quem eu suspiro?
E ai Deus, digam se ele voltará logo!

Vocês viram meu amado,
por quem eu me preocupo tanto?
E ai Deus, digam se voltará logo! 

CANTIGA DE AMOR: apresenta um eu-lírico masculino que confessa a uma mulher de posição superior (o que se percebe pelo emprego da forma "senhor" - senhora, em português arcaico - e da segunda pessoa do plural) o sofrimento amoroso ("coita") por que passa. Esse distanciamento entre o trovador e sua amada é interpretado como um reflexo do feudalismo, em que a mulher assume o lugar do senhor feudal e o trovador o de servo. Sua servidão seria representada pela obrigação que tem de render-lhe homenagens, de fazer propaganda das qualidades da senhora (amor cortês). Veja um exemplo:

CANTIGA DE AMOR 
Martim Codax

Senhor fremosa, pois me non queredes
creer a coita en que me ten amor,
por meu mal é que tan ben parecedes
e por meu mal vos filhei por senhor,
e por meu mal tan muito bem oí
dizer de vós, por meu mal vos vi
pois meu mal é quanto ben vós havedes.

E pois vos vós da coita nom nembrades,
nem do afan que m'amor faz prender,
por meu mal vivo mais ca vós cuidades
e por meu mal me fezo Deus nascer
e por meu mal non morrir u cuidei
como vos viss'e por meu mal fiquei
vivo, pois vós por meu mal ren non dades.

E dessa coita em que me vós teendes,
en que oj'eu vivo tan sem sabor,
que farei eu, pis mi'a vós non creedes?
Que farei eu, cativo pecador?
Que farei eu, vivendo sempre assi?
Que farei eu, que mal dia nasci? 
Que farei eu, pois me vós non valedes? 
[...] 

(tradução livre)
Formosa senhora, então não quereis
acreditar no sofrimento em que me encontro por causa do amor,
Para minha desgraça é que sois bonita
e para minha desgraça escolhi a vós como minha senhora,
e para minha desgraça ouvi falar
tão muito bem de vós, e para minha desgraça vos vi,
pois minha desgraça são todas as qualidades que vós possuís.

E então vós não vos lembrais do sofrimento,
nem da angústia em que amor me faz ficar preso,
para minha desgraça vivo muito mais do que imaginais
e para minha desgraça Deus fez-me nascer
e para minha não morri quando pensei que fosse -
quando vos vi - e para minha desgraça fiquei
vivo, pois vós para minha desgraça não me dais a mínima atenção

E desse sofrimento em que vós me jogastes,
em que hoje eu vivo tão sem sentido,
que farei eu, pois vós não acreditais em mim?
Que farei eu, sofrido pecador?
Que farei eu vivendo sempre assim?
Que farei eu, que nasci num mau dia?
Que farei eu, pois vós não me dais valor?
Que farei eu, vivendo sempre assim?

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